Este o texto que esteve na origem da reportagem:
Sou o Américo Coutinho tenho
56 anos feitos em Agosto passado e resido em Condeixa-a-Nova, 15 km a sul de
Coimbra.
Estou desempregado desde
Maio de 2011, e antes trabalhava em Sintra onde, como técnico de eletrónica,
pertencia ao Departamento de Suporte Técnico e Assessoria à Direção de Serviços
de uma multinacional que em Portugal fornece assistência técnica e equipamentos
para tratamento de dinheiro sobretudo à Rede Multibanco.
O caminho para a minha situação de desempregado, é explicado no blogue e, na
verdade, começou no famigerado jantar de Natal há uma dúzia de anos. Nessa
altura trabalhava numa bem-sucedida empresa portuguesa, que 2 anos depois era
vendida a um dos fornecedores, uma multinacional com sede em Inglaterra.
A partir daí uma sucessão de
erros de gestão, sobretudo a gestão da matéria-prima essencial de qualquer
empresa, que são os recursos humanos, aliada à mudança da política de
contratação do serviço de assistência técnica à rede Multibanco por parte da
SIBS, cliente quase exclusivo da empresa, levou ao despedimento de quase 2/3
dos funcionários, e acabou por me sair também a fava.
É óbvio que ninguém espera
ser despedido antes de o ser, sobretudo menos de um mês depois de lhe terem
sido atribuídos 87% na avaliação de desempenho e de 3 anos a 200km de casa e da
família em dedicação quase exclusiva.
Ser classificado de “camaleão” porque consegue fazer bem tudo
o que lhe pedem e uma semana depois ser despedido, pela mesma pessoa, porque é
“um luxo que a empresa deixou de poder pagar” dá vontade de fazer muita coisa….
Se calhar de bater em alguém….a mim deu-me para escrever um blogue!
O blogue começa, talvez por isso, por ser um grito de raiva, não contra a empresa ou antigos colegas de trabalho, como alguns comentários de quem se sentiu atingido quiseram fazer querer, mas sim contra aqueles que gerindo no faz de conta, com visão que não vai além do próprio umbigo, que apesar de tudo continua bem anafado, puseram e continuam a pôr em risco o emprego, logo a subsistência, de centenas de famílias e sobretudo contra quem não hesitou em recorrer a varias formas de bullying para cobrir a sua incompetência e manter os privilégios.
O blogue pretende ser também
um relato da descida aos infernos, que esperava fosse a passagem pela situação
de desempregado, que adivinhava longa. As histórias no Centro de Emprego, as entrevistas,
as ofertas de ordenados impensáveis, eram histórias que ouvia e queria relatar
na primeira pessoa, até para que algo pudesse mudar. As cartas ao Ministro
Álvaro Santos Pereira fazem esse relato e pretendem ser também um contributo
para que, pelo menos, não digam um dia que não mudaram porque não sabiam.
Porque o meu público é constituído,
na sua esmagadora maioria, pelos antigos colegas, o blogue continua a manter
uma ligação com as notícias e os boatos da antiga empresa dando de alguma forma
eco ao “corredor”, principal “circuito” de comunicação numa empresa onde se
cultiva a lei da rolha e onde as reuniões gerais são por norma monótonos
monólogos.
No Natal do Ano passado a
propósito do jantar da empresa “à grande
e à portuguesa” houve no blogue uma troca de comentários que desvirtuou de
alguma foram os seus objetivos, que nunca foram o de denegrir ou afrontar
alguém. Se há quem se sente incomodado com o que no blogue foi escrito sem nunca
desmentir, tratando-se de gente com responsabilidades de gestão, só prova que
não são só os resultados e as suas consequências a demonstrar a sua inaptidão
para os lugares que ocupam. Como não sou de levar desaforo para casa e respondi
à letra a coisa passou e o blogue seguiu o seu curso normal, mas dadas as
caraterísticas do público, o feedback não
pode ser explícito, por motivos que se entendem com facilidade.
No dia seguinte ao
despedimento, e depois de uma pouco edificante discussão com a Diretora dos
Recursos Humanos sobre a “justeza” do valor da indemnização, como se houvessem
indemnizações por despedimento justas, depois de ouvir propostas pouco sérias
que de todo não merecia e me indignaram veio o choque da primeira visita ao
Centro de Emprego que foi, mais tarde assim relatada ao Ministro Álvaro:
…..Quando em Maio pp fiquei desempregado fui recebido no
Centro de Emprego de Coimbra, para entregar a documentação com vista à minha
inscrição necessária para receber o subsídio de desemprego, que não considero
uma esmola, mas um direito adquirido pelos meus 30 anos de descontos, por uma
técnica que começou por dizer que a documentação estava toda errada!
Quando a confrontei com o facto de que vinha de uma empresa
multinacional, com departamento de recursos humanos, que infelizmente já tinha
despedido muito meus companheiros de profissão sem nenhum problema de
documentação, afirmou, pasme-se, que também podia estar tudo certo!
O facto é que 2 dias depois recebia da segurança social uma
carta com o cálculo do meu subsídio sem qualquer problema de documentação!
Preocupou-se a referida técnica em me informar dos
procedimentos idiotas, mesmo que inscritos na lei, das apresentações
quinzenais, e da obrigatoriedade de enviar 3 currículos por mês, mas que também
me podiam pedir 4 (!); mas esqueceu-se de me esclarecer das normas para o caso
de arranjar emprego.
É muito fácil apelidar os desempregados de preguiçosos, de
subsídio dependentes, esquecendo que, sendo o facto de estar em casa,
sentindo-se inútil, o pior dos dilemas dos desempregados, toda a ação do IEFP
está dirigida no sentido de os manter nesta situação. …
Estou há 17
meses a receber quase o máximo do subsídio de desemprego, pouco mais de metade
do ordenado líquido em 2007! Tenho cumprido e excedido a obrigação de procura ativa
de emprego, enviando currículo para tudo o que pareça ter alguma viabilidade.
Tenho também aproveitado tudo o que é formação na área, paguei o Certificado de
Competências Pedagógicas, fiz no Porto sem qualquer apoio certificação em software PHC e neste momento estou a
frequentar um Curso de Especialização Tecnológica em Redes e Sistemas
Informáticos, como forma de melhorar o currículo.
Apesar
disso, nestes 17 meses tive três (3)
contactos!
- O
primeiro, tinha visto o meu currículo num site
de emprego e queria-o atualizado. Responderam 6 ou 7 meses depois que o
currículo não se adequava às suas necessidades!
- O
segundo, depois da minha resposta a um anúncio, fui convocado para uma
entrevista na zona de Sintra. A entrevista não correu mal mas podia ter corrido
melhor. Há coisas que ouvimos tantas vezes que acabam por nos condicionar. Eu resido
em Coimbra, casado com uma professora do ensino secundário, a mudança
definitiva para Lisboa seria mais um problema que uma solução. Por isso um emprego
em Lisboa tem que garantir que, depois de pagar a renda do T0 e as viagens ao fim
de semana para Coimbra, não sobre muito menos que o subsídio que hoje recebo.
Gosto muito de trabalhar, preciso muito de um trabalho até para manter algum
equilíbrio mental, mas não estou em condições de pagar para o fazer.
Ainda
tenho uma filha para acabar de educar.
Por tudo
isso parti para a entrevista de alguma forma derrotado à partida reconheço, e
acho que podia ter tido uma atitude mais agressiva, vendido melhor a minha
imagem, as minhas capacidades e experiência, até porque estava completamente na
“minha praia” e podia assim ter criado um problema ainda maior ao eng. António.
Pedi-lhe
exatamente as condições que tinha quando fui despedido, sobrava um pouco menos
que o subsídio, mas ainda assim suportável. Disse que gostou, prometeu
responder na semana seguinte, mas respondeu negativamente 3 meses depois!
- O
terceiro, tinha visto o meu email na
base de dados da PHC, como técnico certificado, mas pedia que se não residisse
na área de Lisboa não respondesse. Mesmo assim enviei o currículo. Afinal
trabalhar em Lisboa até nem era novidade. Gostou e quis saber o ordenado que
achou incomportável para as possibilidades e dimensão da empresa.
Neste contexto não posso confirmar as estórias que se ouvem dos desempregados. Se no primeiro caso a resposta é um pouco estranha, já nos outros dois as pessoas foram respeitosas e simpáticas e apesar das respostas negativas até fizeram bem ao meu ego!
Neste contexto não posso confirmar as estórias que se ouvem dos desempregados. Se no primeiro caso a resposta é um pouco estranha, já nos outros dois as pessoas foram respeitosas e simpáticas e apesar das respostas negativas até fizeram bem ao meu ego!
Dezassete meses de inatividade para quem estava habituado a trabalhar
10 horas por dia sob stress é muito
tempo! Como as perspectivas a curto prazo não são famosas, como
continuo a acreditar neste país, talvez mais que Vítor Gaspar, considero que
quando “isto” arrancar, os primeiros a “safar-se” serão naturalmente os mais
preparados. Vai nesse sentido o esforço contínuo na melhoria do currículo,
acrescentando mais competências. “Saber não ocupa lugar” e “esperança é a
ultima a morrer” são frases gastas, mas, para um desempregado na minha idade,
serão talvez as boias que o agarram à vida!